domingo, 31 de outubro de 2021

Jardim todo o ano – Outubro


Na natureza não há saltos. As estações do ano desenvolvem-se progressivamente e não importa se o outono começa a 22 de setembro, tudo é gradual, mais cedo, ou mais tarde comparativamente a outros anos, dependendo de uma série de fatores.
Com a chegada dos dias frescos, principalmente as noites, algumas plantas apreciaram, outras viram acelerar o seu fim. O sol já não sobe tão alto no horizonte, os dias são mais curtos, o crescimento vegetal é mais lento. Não choveu pela Senhora da Assunção. As primeiras chuvas vieram tarde e tiveram pouco significado. Só agora que estamos no final do mês de outubro se começam a sentir alguns sinais de mudança. Ao final da tarde as chaminés já cospem fumo.

Nos últimos tempos têm acontecido várias transformações: os torrões-de-açucar (Ornithogalum thyrsoides) já saíram da terra; os lírios estão em pleno crescimento; as anémonas também já têm muitas folhas, tal como a beladona. Muitos bolbos lançaram os seus rebentos como o muscari, íxia, frésias, estreménias  e os narcisos (silvestres). A tritónia (Tritonia laxifolia), a crocosmia, a íris e os esparáxis já são visíveis. 

No jardim não é muito evidente o outono com a queda da folha. Apenas as roseiras vão perdendo as suas folhas mais baixas, mas estão cheias de rosas. Menos do que no verão, mais maiores e mais vistosas. A poda das flores velhas e a queda de alguma chuva vieram trazer um último folego de vida e elas respondem com rosas incríveis. As mais bonitas rosas são as primeiras e as últimas.
Também sinal do outono é a floração dos crisântemos. Alguns já estão abertos, mas a maioria não. Tivemos que comprar alguns para o Dia dos Fiéis Defuntos. Pela primeira vez tenho Ajania pallasiana em flor. Não é um simples crisântemo. Os crisântemos são cultivados pelas suas flores mas na Ajania (também Chrysanthemum pacificum) o interesse está na folhagem, uma vez que a flor é bastante singela. 

Também com em floração nesta altura está a salva-ananás (Salvia elegans). É um pequeno arbusto, que perde todas as folhas no inverno, mas que renasce na primavera. As suas flores são vermelhas. Dizem que a salva-ananás é um excelente aromatizante para bolos e doçaria, refrescos, batidos, saladas, gelados e licores. Esta erva aromática também combina com carne de porco, pato e legumes. As flores da salva ananás são comestíveis e combinam em saladas. Se fiz uma salada de Sedum, porque não experimentar as flores da salva. Experimentei em salada de frutas e simples. São agradáveis. Não consigo sentir o famoso aroma a ananás, mas o cheiro não é o meu sentido mais apurado.

No mês de outubro não faltam flores no jardim: gerânios, begónias (de flor), margaridas-do-cabo, gazânias, verbenas, cravos-túnicos, bocas-de-lobo, dálias, calêndulas e mesmo os morangueiros, cheios de flores e de frutos. A laranjeira-de-México (Choisya ternata) está cheia de flores. Gosto deste arbusto, de flores brancas e aroma a laranja. Mesmo as onze-horas (Portulaca grandiflora) estão cheias de flores, mas a força do sol já não é suficiente para elas abrirem.

As fruteiras estão em diferentes estádios. Os diospiros (de roer) estão a ganhar cor. Na macieira, já com a folha a cair, persistem algumas maçãs. Pensei nas aves e elas não se fizeram rogadas. Têm feito um festim à base de Golden delicious. O alperceiro (não sei se a palavra existe) e a cerejeira já estão a perder a folha. A tangerineira e o limoeiro têm frutos.

Na horta ainda não se nota o outono. Continuo a ter tomates, pimentos, malaguetas, alfaces, cenouras, brócolos, alho-francês, acelgas, rúcula e belas couve galegas. As alfaces mal crescem e os tomates têm dificuldade em amadurecer, mas vão aguentar-se até que o frio os queime. O mesmo vai acontecer aos physalis. As couves de penca e as nabiças estão no início do desenvolvimento. A falta de chuva atrasou-me com essas duas culturas.

No que toca às suculentas este tempo tem-lhes sido favorável. O verão aqui é muito quente e os dias mais frescos deixaram-nas desenvolver um pouco mais. Os Aeonium acordaram e já cresceram bastante. Dediquei alguma atenção às Greenovia. São das milhas suculentas preferidas e todos os anos por esta altura faço a replantação. Alguns Sedum e Orostachys estão a preparar-se para hibernarem. Também eu começo a olhar com preocupação para as dezenas de vasos, taças e floreiras a pensar onde os vou encaixar para proteger as suculentas do inverno.

Decidi não semear favas, nem ervilhas, a minha próxima plantação serão os alhos.
Das sementes caídas durante o verão nasceram muitas gazânias, cravos-dos-poetas, amores-perfeitos e esporas. Vou procurar um espacinho para onde as possa transplantar.

Com as chuvas de ontem e hoje muita coisa vai mudar. Novembro será certamente diferente, mas espero que seja igualmente desafiante. As plantas não conhecem os meses, mas o fotoperíodo é o seu relógio e esperam-se cada vez dias mais curtos.

sábado, 30 de outubro de 2021

Jardim todo o ano

Uma área do jardim com uma estátua, rochas e hera
Ter um jardim é um sonho de muitas pessoas e ter um jardim bonito todo o ano é o sonho de todos os que têm jardim. Quando tive oportunidade de concretizar o meu sonho, ter um jardim, uma das preocupações foi o de tentar ter um espaço e plantas que me proporcionassem prazer durante todos os meses do ano. 
Na minha casa de infância sempre houve jardim, inicialmente constituído por um conjunto de cântaros, caldeiros, panelas e outros recipientes que se iam estragando. Apesar da humildade das coisas ainda hoje recordo as espécies e devo ter algumas plantas que tiveram origem nessas que a minha mãe cultivava há mais de 50 anos. Casei com uma mulher que gosta de plantas. Deu para perceber isso no pouco tempo de namoro que tivemos. A vivermos em casas alugadas durante cerca de 25 anos, mais de meia dúzia de casas, sempre tivemos plantas, aquelas que era possível ter. 
Preparação da área das aromáticas


Quando em 2016 comecei a planear um pequeno jardim, digno desse nome, todo o gosto que sempre tive por plantas foi posto à prova e construí o nosso jardim, discutível, mas o mais bonito de todos. Uma das preocupações foi que fosse jardim o ano inteiro.
Os gostos são muito próprios e cada um só sabe do que gosta depois de conhecer e de apreciar muitos jardins, construindo uma imagem mental daquilo que deseja para si, juntamente com o que pode ter. Eu sabia que queria um jardim repleto de espécies, algumas autóctones, rochas, canteiros de fácil acesso, áreas distintas, alguns elementos românticos e sem relva. Gosto de relva, mas exige espaço que não tenho. O jardim seria também um espaço para as aves e insetos. Pensei também em reservar terreno para algumas árvores de fruto e uma pequena horta.
Berberis (Berberis thunbergii atropurpurea)

Como a maioria das plantas vive ao ritmo das estações e é fácil escolher plantas que alindam qualquer jardim em determinada estação, um cuidado a ter é plantar espécies que fiquem todo o ano, fazendo a transição das estações e ajudando a preencher o espaço no inverno, altura em que há menos cor. Preenchem esta característica as árvores e arbustos de folha persistente. Não optei pelas árvores, por uma questão de espaço, mas a oliveira, o sobreiro, o medronheiro (é arbusto), o abeto, o teixo, são algumas das espécies que gostava de ter. Optei por espécies mais baixas mas que mantêm a folha todo o ano: alfazemas, alecrim, buxo, hebes, berberis (Berberis thumbergii), cotoneaster, azevinho (Ilex aquifolium), carqueja (Pterospartum tridentatum), urzes, evónimo, jasmim, arruda (Ruta graveolens), artemisia, hera, grevílea (Grevillea robusta), santolina (Santolina chamaecyparissus), etc. Duas caraterísticas importantes, além da folha perene, são a cor da folhagem e a produção de bagas para as aves.  A santolina e a alfazema são prateadas. O berberis (Berberis thunbergii atropurpurea) é de folha caduca mas tem a folhagem completamente vermelha. As hebes podem ter várias cores, bem como os evónimos. O azevinho, o medronheiro (Arbutus unedo), os cotoneaster produzem frutos, bagas, que servem de alimento às aves. Os cotoneaster que tenho estão todo o ano com frutos vermelhos. A piricanta (Pyracantha coccinea) também é uma boa opção para fazer sebes, formar a planta pela poda (topiária) e produção de bagas, mas não tenho esta espécie.
Gerânios


Depois de termos um conjunto de plantas base, é mais fácil pensar nas espécies que alegram cada uma das estações. Nos primeiros anos, pensei em fazer um jardim rápido, recorrendo mais a plantas da época, compradas, mas que punham o jardim bonito rapidamente, Estão neste campo as prímulas, as petúnias, as verbenas, os amores-perfeitos, etc. Agora que já passaram 5 anos as plantas compradas são cada vez menos.
A partir de fevereiro há muitas espécies, muitas delas em bolbos, que alegram o jardim, e na primavera e verão não há dificuldade de escolha. A dificuldade está no outono e inverno, uma vez que vivo numa região com invernos frios e verões escaldantes (“nove meses de inverno e três de inferno” que estão a dar lugar a “três meses de inverno e nove de inferno”). Para o início do outono podemos apostar em beladona, dálias, verbenas, amores-perfeitos, margaridas-do-cabo, crisântemos, begónias (de flor), Ciclâmen e ainda temos muitas rosas, bocas-de-lobo e calêndulas. No inverno os amores-perfeitos, as prímulas, e já são capazes de apareceras primeiras anêmonas, que são fantásticas na forma e nas cores. 
Em fevereiro é um mundo que desperta. Os bolbos de inverno começam a mostrar as suas flores: crócus, narcisos, jacintos, tulipas, etc. Inicia uma época fantástica que se prolonga até aos finais de agosto. 
Tulipas

As espécies mais representativas no meu jardim são as roseiras, lírios, gladíolos, frésias, ixias, margaridas-do-cabo, cravos-dos-poetas, gazânias, gerânios, hidrângeas, crisântemos e amores perfeitos. As plantas que não consigo manter, ou reproduzir por mim próprio, desapareceram do meu jardim. É o caso das petúnias, boninas e algumas verbenas.
As árvores de fruto seguem o seu ritmo bem marcado. Também elas podem ser estudadas para cobrirem todo o ano. Neste momento tenho frutos no diospireiro, na tangerineira e o limoeiro. Também tenho um pessegueiro, uma cerejeira, uma pereira e uma macieira. Ficou de fora uma desejada amendoeira, mas já não havia espaço para ela. É uma das culturas da região e floresce e fevereiro/março. É uma boa espécie para um jardim, nas regiões onde elas se possam adaptar bem. Tenho também 3 videiras.
Plantas suculentas
Plantas suculentas

Para complementar o jardim há uma classe de plantas que ficam bonitas praticamente o ano todo: são as plantas suculentas. Para a maior parte destas plantas não há primavera, uma vez que elas não são cultivadas pelas suas flores, mas pelo aspeto das suas folhas que são autênticas “flores”. O grande problema das suculentas é que a maioria delas é oriunda de climas quentes (América Central e Sul e África do Sul), não suportando as temperaturas baixas que aqui se fazem sentir. Tenho de contar com temperaturas de várias noites abaixo de zero, com possibilidade de pontualmente serem atingidos 10 ou 12 graus negativos. É a morte certa para estas plantas. Com vários anos de prática fui selecionando plantas que suportam melhor as baixas temperaturas. Seduns, algumas Echeverias, Aloes, Cotyledon, Crassulas e Senecios aguentam no jardim todo o inverno sem qualquer proteção. Das várias centenas de espécies de suculentas que possuo, posso dizer que 95% tem de ser protegida durante o outono/inverno. Isso faz com que estas espécies não sejam plantadas no solo, mas se encontrem todas em pequenos vasos, fáceis de transportar e de acomodar. 
Echeveria rainbow

O mundo das suculentas é vasto, entusiasmante e viciante. O entusiasmo pode ser tanto que leve à compra compulsiva de plantas na ânsia vã de conseguir todas as espécies. O género Aizoaceae tem 2000 espécies, as Crassulaceae são 1300 e os Catus 1600! 
Administrei até ao início do ano, no Facebook, o grupo Suculentas-Portugal que junta atualmente 145 mil membros. Vi-me na necessidade de abandonar o cargo porque as tarefas administrativas me ocupavam tanto tempo que eu já não tinha oportunidade de aprender e de cuidar das minhas plantas.
Na horta tenho feito as culturas mais normais como cebolas, alhos, couves, alfaces, feijão, tomate, pimento, malaguetas, espinafre, cenouras, beterrabas, etc. Também já tive nalguns anos, favas, ervilhas, batatas, rabanetes, pepinos, beringelas, alho-francês, etc. Por norma não faço sementeira, compro as plantas prontas a plantar. 
Coprosma kirkii variegata coberta de geada

Outra das áreas que a horta/jardim abrange é a das ervas aromáticas. Aqui há algumas culturas permanentes como a salsa, hortelã, poejos, loureiro, sálvia, tomilho, alecrim, alfazema e carqueja. Tenho também coentros, que semeio várias vezes ao ano e o manjericão, que compro.
Para desgosto meu, não tenho nenhuma fonte de água própria, rego com água da rede pública. Por vezes a fatura mensal chega aos 40€. Não sei se é muito para outras pessoas, mas para mim gostava que fosse menos. 
Faço compostagem de tudo o que é possível. O composto é aplicado na horta aquando das plantações. Não faço tratamentos para fungos ou outras doenças e pragas. Já tive alguns problemas por exemplo no feijão, nos tomateiros e no pessegueiro, mas esta é uma opção que faço.
Taça com Sedum

O Grupo Aprendiz de Jardineiro, no Facebook criou a rubrica “Jardim todo o ano”. Pretendo, mensalmente fazer o ponto da situação do meu jardim/horta. Não no intuito de mostrar nada, mas de registar, refletir e partilhar com quem quiser ler a evolução de algumas espécies longo do ano.
Não é um jardim grande. É um espaço pequeno, cheio de cor e de vida, onde não cabe mais uma espécie. Não compro plantas novas há algum tempo. Recebo plantas que me dão e que troco com várias pessoas pelo país. Também partilho, presencialmente, com familiares e amigos. Esta paixão pela jardinagem é entusiasmante e contagiante. Para mim (já) não é dispendiosa e é relaxante. Um jardim todo o ano, tem trabalho todo o ano, mas essa conversa fica para outra altura.
Boa jardinagem.